ao longo da avenida
"O tempo das suaves raparigas / é junto ao mar ao longo da avenida" - Ruy Belo
sexta-feira, outubro 31
vento
voou a escultura das folhas secas que está em frente da porta do meu trabalho. as folhas estão espalhadas pelo chão.
a criação está em permanente mutação.
quinta-feira, outubro 30
desculpem
alguns problemas assolam a avenida. as duas faixas de sigur rós colocadas em posts anteriores já não se encontram disponíveis.
como é difícil (obsessivo...) edificar a harmonia?
quarta-feira, outubro 29
a inocência em ruínas
percorremos com david gordon green uma cidade arruinada. lentamente, sentimos as avenidas da infância irrecuperável. longos silêncios entrecortados por palavras simples, breves, que atingem o essencial. uma experiência visual única. perante o absurdo da morte, resta a assumpção de uma criança, um herói chamado george washington.
e quantas vezes não vemos os heróis que nos rodeiam. como a menina que se entrega sozinha, sem ninguém saber, por um crime que era de todos.
terça-feira, outubro 28
violenta condição
ontem ao ouvir as palavras de esperança de jorge sampaio não consegui deixar de pensar nas mulheres que se guerreavam de manhã, à chapelada, para entrar no autocarro.
somos definitivamente um país pequeno. irremediavelmente pequeno.
uma reflexão depois de almoço
as relações nunca podem acabar bem pela simples razão de que não existem para terminar. o que não foi criado para ter um fim depara-se de súbito com o absurdo de um adeus.
o importante é começar de novo e não deixar de acreditar que o amor é possível. e urgente.
segunda-feira, outubro 27
onde está o verão?
depois de uma música pop em tarde chuvosa, uma canção que nos mergulha no céu estrelado das noites de verão. sigur rós ao vivo em lisboa, no coliseu dos recreios.
domingo, outubro 26
fim de tudo
as tardes de domingo são como os últimos dias de férias. tempo de despedida do mar, dos pássaros, da terra.
estão próximas do fim.
sábado, outubro 25
uma música pop numa tarde de chuva
the pop song - sigur rós ao vivo no london astoria
para enfrentar o frio de gestos ausentes.
era mesmo uma espada hattori hanzo...
em kill bill, tarantino atinge o auge da depuração estética. cor, revivalismo, kitsch, sangue e beleza são as palavras-chave de uma aventura empolgante por outros tempos e memórias. o surrealismo e o dramatismo desta obra confirmam tarantino como um fazedor ou re-fazedor de mundos. um criador de arte.
quinta-feira, outubro 23
uma forma de me despedir
"(...)
Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
(...)"
ruy belo
quarta-feira, outubro 22
amiga
obrigado pelas tuas palavras.
a amizade é como um rio que mesmo depois de seco não nos consegue esconder os profundos sulcos da terra.
dor
antes da morte
quero beijar-te muito por ser esta talvez a última vez
filosofia reles, repleta de lágrimas
os sonhadores nunca choram por aquilo que aconteceu, mas sempre por aquilo que podia ter acontecido e não aconteceu. como uma recusa material do passado. uma sublimação do futuro.
uma espécie de metafísica da ausência. ou simplesmente uma dor pelo inacabado.
terça-feira, outubro 21
a razão de uma série interrompida
"(...)
Destas cinco palavras me rodeio
e delas vem a música precisa
para continuar. Recapitulo:
desistência desalento prostração desolação desânimo
Antigamente quando os deuses eram grandes
eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas"
ruy belo
política
na avenida nunca se falou de política. nunca se falou da política que se entende no mundo dos media por política. falámos de outras políticas, de outras vozes que percorrem a mundividência da polis.
mas hoje, rompendo toda a subjectividade desta construção, ousamos penetrar no domínio público.
para quando o silêncio de manuela moura guedes? não tinham codificado a pornografia?
desalento
sentir que os gestos não te escondem.
segunda-feira, outubro 20
desolação
para quando uma avenida que seja "terra de alegria"?
onde o som dos pássaros perpetue a tarde e a vida seja apenas um gesto delicado, como quem não espera mais que o teu sorriso.
domingo, outubro 19
desânimo
poderemos continuar a construir uma longa avenida quando as palavras não fazem sentido?
quarta-feira, outubro 15
outono
definitivamente, hoje foi para mim o primeiro dia do outono.
vesti roupa pouco quente, senti a chuva inesperada, cheirei as castanhas a assar.
e senti que estavas triste.
terça-feira, outubro 14
paz
há dias em que as pessoas não deviam sair mais cedo do trabalho. sobretudo para resolver problemas burocráticos.
1ª paragem - loja do cidadão. senhas esgotadas devido à "grande afluência de público". uma segurança segreda-me que existe um sítio onde talvez haja pouca gente. e a paragem mais perto. nunca se deve confiar em seguranças. a paragem mais perto era muito longe...
2ª paragem - um local perfeitamente deprimente onde se ouvia o autoclismo do andar superior com bastante clareza. explico o que quero. faltam-lhe algumas declarações. mas não pode retirar as informações do computador. toda a gente sabe que não estamos em rede. pois. afinal saí mais cedo para nada. mas não está a dizer que a culpa é minha. não. obviamente que não.
3ª paragem - uma pacata livraria onde folheio o meu pipi e o catálogo do world press photo 2003. enfim paz.
paradoxal. mas relaxante.
segunda-feira, outubro 13
crueldade
não há nada mais cruel do que calar a tua voz com um gesto.
aquário
para thelma & louise:
eu escolho a água.
ou não fosse esta avenida junto ao mar.
domingo, outubro 12
não me trates como um cão
há em dogville de lars von trier um genial ensaio de metaforologia. o mundo é simples: feito apenas de pessoas e pequenos adereços, com pequenos rasgos de luz e uma ou duas aparições da lua. grace queria fazer do mundo um local melhor, caminho interrompido pela extrema necessidade de uma redenção, de uma vingança brutal.
de um extremo cinismo, von trier conta-nos uma fábula da maldade humana. uma terra americana no fim de uma estrada. a incapacidade de acolher quando para além de nós só existem rochosas montanhas.
dogville é um rasgo de génio. muito para além das técnicas e dos conceitos, está a sublime capacidade de olhar o mundo através de metáforas.
sexta-feira, outubro 10
ilha
lisboa é hoje uma ilha. o nevoeiro teima em ocultar as águas do tejo.
há uma luz imensa que nos rodeia. como no dia em que surgiste.
quinta-feira, outubro 9
o efeito pernicioso de uma leitura precoce
numa entrevista perguntaram ao antónio lobo antunes a razão de nunca ter publicado poesia. o escritor respondeu que todos os poemas que gostava de ter escrito já o haviam sido pela pena de alexandre o'neill.
ou muito me engano, ou um dia direi o mesmo acerca do ruy.
terça-feira, outubro 7
um poema de ruy belo a propósito de um post construído há dias (ou como vale a pena ceder por uma vez às maiúsculas para respeitar o poeta)
A Mão no Arado
Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua
É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente
da praxe
não sei o que se possa dizer mais acerca da praxe que percorre por estes dias as avenidas.
mas talvez ainda se possa perguntar: porquê?
conforto
há na voz de quem gostamos um súbito conforto. repentino.
como um dia de sol em pleno outubro.
segunda-feira, outubro 6
uma forma de despedida
em adeus lenine o amor vale mais do que uma mentira. o fim de uma vida sem sobressaltos vale mais do que uma mentira.
e podemos fazer sempre dessa mentira a maior das verdades: é possível fazer os outros felizes.
arte de perder
às vezes, é preciso agarrar em meia dúzia de papéis velhos e deitá-los para o lixo. desprendermo-nos do que já não nos faz falta. libertar o espaço para continuar a vida. guardar o que um dia nos trará as recordações de quem partiu.
mas é preciso saber perder. ficar com pouco.
sábado, outubro 4
água viva
já nasceste a saber o que eu não sei,
o que o lume na água mais procura;
se me dás de beber vou ter a sede
incessante da fonte mais impura.
(...)
antónio franco alexandre
duende - 19 (excerto)
quinta-feira, outubro 2
um mundo novo
há na poesia qualquer coisa de religioso. uma forma estranha de consolação perante a desordem. uma fala de espíritos que navegam nos limites do mundo. por vezes, as palavras confundem. outras deslumbram, tal é a sua perfeição.
mesmo um ingénuo, como eu, sabe como se chora perante os versos. aqueles que nos contam outras vidas. outros olhares.
um dia pensei que a poesia poderia construir um mundo novo.
já construiu.