ao longo da avenida
"O tempo das suaves raparigas / é junto ao mar ao longo da avenida" - Ruy Belo
terça-feira, setembro 30
uma longa avenida
quando aprenderemos a "repartir a tristeza pelos dias"?
segunda-feira, setembro 29
felicidade
como podíamos esconder a felicidade?
o dia morria lentamente por entre abraços e outros gestos derramados pelo vento. a vida não tinha sentido para além daquele espaço delimitado pelos nossos corpos.
haverá sempre um jardim no coração dos homens.
domingo, setembro 28
um domingo de sol
somos fracos como as lágrimas que caem no chão. de mãos dadas o mundo parece um adversário fácil de enfrentar.
a distância é o vazio.
sábado, setembro 27
nudez
mais do que um corpo despido, não há maior nudez do que mostrar os recantos da cidade que nos pertencem. os sítios onde deixámos um pedacinho da nossa morte a cada visita. os fragmentos onde demorámos o espírito e os gestos.
onde nos despimos para fazer amor.
sexta-feira, setembro 26
mulher
lisboa terá sempre o nome de uma mulher. uma suave rapariga ao longo da avenida.
um nome que desagua no mar mas que nunca desaparece no horizonte.
seremos todos anjos?
mais uma vez, numa oportunidade única, a zero em comportamento levou ao cine 222 um magnífico filme: angels of the universe.
na estreita linha que separa a sanidade e a loucura, páll vai percorrendo uma longa avenida rumo ao fim. as suas caminhadas são longas e em paisagens absurdas, ao largo de um mar gélido. com páll sentimos que também nós poderíamos ter um amigo casado, rico, com filhos, que de repente decide pôr um fim a essa normalidade; que também nós poderíamos não compreender o que nos torna normais, o que nos dá direito a controlar os que não são como "nós".
há algo de essencial neste filme. de anímico. há uma profundidade que só a música de sigur rós poderia traduzir num final que se expande em força, magia e beleza. vale a pena fechar os olhos e deixar as letras percorrer o écran enquanto aquela música gelada nos aquece, nos dá vida.
vale a pena pensar que todos podemos afinal ser anjos. como o páll.
quinta-feira, setembro 25
simples (cont.)
uma coisa é as pessoas serem indecentes uma vez. outra coisa é repetirem.
que grandes ondas se adivinham nessa praia de despropósito, maldade e mesquinhez.
quarta-feira, setembro 24
falhas
hoje à noite, durante um par de horas, não houve internet nem televisão na minha rua por uma falha no sinal de cabo.
a minha vizinha telefonou para o atendimento a clientes e explicou que era um grande incómodo, etc. a menina (porque será que pensamos sempre em meninas a atender telefones?) acrescentou: "...sobretudo a esta hora!"
pois foi sobretudo por ser esta hora transformada num enorme silêncio que deixei a beth orton cantar-me ao ouvido e os versos do tolentino mendonça iluminar a noite.
um pequeno rasgo de saudade
às vezes apetece ficar para sempre nas esplanadas das tardes de verão...
segunda-feira, setembro 22
tristeza (absurda)
para ti, que estás no alto desse monte a chorar:
as tuas lágrimas não cairão em vão, amigo. dessa terra molhada nascerão flores do campo. inspira e continua em frente. o caminho ainda é longo. e lembra sempre o que te disse naquelas noites quentes.
já se sente o cheiro das estevas.
domingo, setembro 21
simples
hoje uma pessoa foi perfeitamente indecente comigo.
o que lançamos ao mar, um dia regressa. e geralmente com mais força.
(para quando uma avenida de bom-senso, ao longo de uma praia onde não desembarca a maldade?)
quinta-feira, setembro 18
o jardineiro
no local onde trabalho há um jardineiro que todos os dias me cumprimenta. de t-shirt amarela (da empresa a que pertence), de chapéu e headphones, vejo-o andar o dia todo de um lado para o outro, tranquilo, cumprimentando quem passa. às vezes parece-me que ele fala com as flores.
há uns meses, explicou-me que as árvores que olho todos os dias se chamam tílias. lembrei-me quantas vezes digo de cor "os pássaros da noite povoavam as tílias desta minha solidão" e não sabia o que eram tílias.
agora saúda-me dizendo: "tás bem?"
a sua tranquilidade causa-me inveja. no fundo, será a nostalgia da terra que todos sentimos um pouco... ou simplesmente a náusea por um trabalho sem vida e sem cor.
quando voltaremos?
para quando uma avenida de flores?
quarta-feira, setembro 17
declaração universal
1. seremos sempre uma avenida do amor
"e o resto dos artigos...?"
há mais algum além desse?
terça-feira, setembro 16
vida
dois corpos abraçados
um ser que respira
segunda-feira, setembro 15
por último
a poesia é a parte que subsiste.
a propósito do 11 de setembro (mas que no fundo se pode dizer acerca de tantas outras coisas)
"certas coisas, só a poesia pode dizer. e o resto é silêncio."
clara ferreira alves
expresso - 13 de setembro
domingo, setembro 14
requiem
"(...)
talvez dentro de séculos se não fale já de ti
coisa aliás sem maior importância
que a de não ter alguém deixado o teu retrato
em qualquer dos museus esparsos pelo mundo
eu estarei morto e pouco poderei fazer
por ti simples mulher da minha vida
(...)"
ruy belo
sexta-feira, setembro 12
alguém
onde há um muro caiado
pode haver um velho que fuma
uma criança que se tenta empoleirar
uma mulher que espera
ou alguém que contempla o horizonte
porquê fumar, brincar ou esperar na brancura dos dias
se o horizonte tudo encerra e o céu está demasiado
próximo dos homens?
silêncio
o silêncio é como um mar sem ondas.
uma planície sem céu.
quinta-feira, setembro 11
apelo
peço a todos os transeuntes que construam casas. que deixem a sua marca na avenida.
com as palavras de todos poderemos sempre descobrir novas avenidas a percorrer.
sucessão
os dias sucedem-se demasiado depressa.
onde ficaram esses longos passeios ao longo da avenida?
os bancos de tinta a estalar. as árvores humildes. os risos das crianças.
onde ficou a infância? os dias sucedem-se e tudo vai ficando cada vez mais longe.
terça-feira, setembro 9
nos finais do verão
"(..)
sei que é em vão que tudo será decerto em vão e que mais uma vez
assisti sem remédio de braços caídos à implacável destruição do verão
que é feito do verão que é feito dessa pausada estação
onde eu sem saber cavara os alicerces da minha vida que é feito
dos olhos sérios e dignos dessa criança ameaçada pelo fim do verão
por um tempo que em breve a roubaria ao ruidoso convívio do verão?
(...)"
ruy belo
o fim do verão
o verão vai morrendo lentamente. pequenos pingos de chuva. nuvens esparsas. brisas desconfortáveis. vamos esquecendo o verão, recolhendo lentamente ao casulo das obrigações. começamos a pisar demasiadas folhas secas e poucos sorrisos nos renovam como nesses dias quentes em que nos libertámos do medo.
onde está o verão?
domingo, setembro 7
amigos
os amigos são mais do que alicerces ou pilares da nossa vida. são paredes resistentes, casas imensas plenas de ternura e apoio. como é bom haver avenidas com casas assim.
sem eles seríamos como folhas que se desfazem nos rios.
não seríamos.
uma avenida do amor
"quando, lídia, vier o nosso outono
com o inverno que há nele, reservemos
um pensamento, não para a futura
primavera, que é de outrem,
nem para o estio, de quem somos mortos,
senão para o que fica do que passa -
o amarelo actual que as folhas vivem
e as torna diferentes."
ricardo reis
tornámo-nos irremediavelmente uma avenida do amor...
mondego
"amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
ouvindo correr o rio e vendo-o."
ricardo reis
sábado, setembro 6
coimbra
era a cidade vazia de setembro
calcorreada pela solidão de uma
imensa e invencível distância
era um rio dourado e inquieto
onde a tarde se derramou
sem pressa de partir
éramos nós dois
na passagem de um tempo confuso
onde a vida parece demasiado bela
quinta-feira, setembro 4
escultura
em frente à porta de entrada do meu trabalho há uma escultura. uma escultura que nunca me chamou à atenção. é uma espécie de gaiola quadrangular sem uma das faces, cujo interior já esteve ocupado por uma secção de tronco (alguém deve ter achado que ficava bem na sua casa).
a particularidade de tudo isto é que o entrançado das grades da gaiola está coberto de folhas que em junho ou julho eram verdes. agora que o verão ainda morre lentamente e o outono acorda de mansinho as folhas estão já completamente secas.
o tempo passou portanto. passa cada vez mais depressa. (para depois descobrirmos que "o verão era a única estação"...)
cada vez mais depressa.
perguntem às folhas...
tasca do chico
há um lugar onde as vozes não se escondem.
nessa tasca, repleta de lembranças de outros seres do fado, as noites parecem sempre demasiado belas. as cordas da guitarra embalam os corações e as vozes transformam as almas. há sempre um episódio caricato por acontecer, alguém conhecido que cumprimentamos com alegria, memórias de outras noites revisitadas...
no chico, o mundo parece pequeno para a beleza do fado. apetece sempre chorar.
lisboa é do tamanho do mundo e no chico sentimo-nos como num cais onde só há despedidas.
terça-feira, setembro 2
tu estarás sempre demasiado longe
como um sonho que termina ao despertar
água que seca ao sol de agosto
sol oculto pelas sombras dos plátanos
vida adiada para sempre
tu estarás sempre demasiado longe
obrigado sudexpress
quem acompanhou o labor do sudexpress ao longo das avenidas do inter-rail sabe o quão sincero é este agradecimento pelas suas palavras.
obrigado.
de volta
regressámos com a chuva e o tempo fugaz de setembro.