ao longo da avenida

"O tempo das suaves raparigas / é junto ao mar ao longo da avenida" - Ruy Belo

quinta-feira, julho 31

poemar 

não é fácil falar-te
das coisas
simples
nem mesmo quando o teu sorriso
cruza velejando
o mar da alegria

00:00

terça-feira, julho 29

rosto 

emudece a tua dor
reinventa-a em sorrisos
discretos
de quem descansa enfim
na alegria de a poder emudecer

21:52

calor 

hoje está um calor imenso.

como um amigo meu diria, estas são daquelas noites em que apetece ir descalço à cozinha, abrir o frigorífico e deixar que a água fresca nos escorra pela garganta e pelo peito, numa demonstração do que possivelmente será sentirmo-nos vivos.

21:46

silêncio [ fragmento ] 

não sei calar as palavras
que ecoam nos vales
da minha ausência
de ti

21:38

segunda-feira, julho 28

uma fila de mulheres em monsanto 

quem nunca teve de sair apressado de um transporte público avariado, fosse ele um comboio sem energia ou um autocarro a deitar fumo por todo o lado, não compreende o significado da palavra solidariedade.
há nos rostos das manhãs uma tristeza que sempre me surpreende. uma distância, um vazio. hoje essa tristeza cresceu ajustada ao atraso de meia-hora do autocarro. quando enfim partimos o autocarro faz a primeira subida a dois km/hora... na curva seguinte adivinhava-se outra subida e as pessoas reclamavam: "não vire, vá em frente!..." quando eu pensava que a loucura já se havia apossado daquelas mentes, um cheiro intenso a queimado e um fumo horrível despertam-nas para a consciência de um possível incêndio. é a loucura na saída. felizmente ninguém se magoou. mas é óbvio que algumas pessoas não lhes bastando o susto ainda foram ver de perto (!), desaparecendo no meio da fumarada...
depois foi o silêncio e a paz. já ninguém ia chegar a horas a parte alguma e um grupo imenso fazia fila numa das subidas de monsanto, à sombra de umas frondosas árvores.

que bela a solidariedade.

depois daquela experiência traumática todas as pessoas se cumprimentavam e gracejavam, na mais pura das alegrias. até duas colegas que provavelmente se evitaram no autocarro, agora sorriam e falavam: "veja lá que nem a tinha visto...!"
claro que para a perfeição da catarse faltava a comédia. um automobilista parou surpreendido com tal multidão em monsanto e disse:"bem isto hoje é só mulheres e até fazem fila". numa situação normal a piada não teria surtido efeito mas as mulheres acharam graça e muitas até terão visto o que reparo todos os dias: há uma imensa e esmagadora maioria de mulheres nos transportes públicos.

"monsanto é pura diversão"
obrigado dr. santana lopes... e mais autocarros, não?

22:22

domingo, julho 27

miradouro de nossa senhora do monte (graça) 

há na cidade uma imensa luz que a noite não consegue adormecer.
lisboa nasceu do rio, como um gigante que lentamente foi emergindo das águas do tejo e agora é apenas luz atravessada pelo halo quente do fim de julho.
perante esta visão magnífica custa-nos acreditar que lisboa não tenha sido sempre assim: as casas, as ruas, as avenidas, a brisa morna... como é belo contemplar a cidade deste miradouro (porque haverá momentos impossíveis de eternizar?)...

e já não tenho dúvidas: lisboa é a cidade mais bonita da europa.

19:54

sábado, julho 26

boa viagem 

"as ilhas são lugares de solidão e nunca isso é tão nítido como quando partem os que apenas vieram de passagem e ficam no cais, a despedir-se, os que vão permanecer. na hora da despedida, é quase sempre mais triste ficar do que partir e, numa ilha, isso marca uma diferença fundamental, como se houvesse duas espécies de seres humanos: os que vivem na ilha e os que chegam e partem." [miguel sousa tavares - equador - p. 313]

boa viagem, amigos.

23:20

hora de partir 

parte hoje o sudexpress da estação de santa apolónia. é nos momentos de partir que penso em tudo o que fica para trás e como por maior que seja a minha mochila há sempre algo que acaba por não partir comigo. as esplanadas do sítio onde moro convidam-me a ficar...mas desta vez não posso.
longas avenidas esperam-me e eu estou ansioso por vê-las.

15:49

sexta-feira, julho 25

um novo dia 

há pequenas tristezas que nos vão remoendo aos poucos. momentos de angústia, caminhos subitamente interrompidos.
hoje, no comboio, fui interpelado no meu deslumbramento pelo magnífico azul do mar da linha de cascais por uma senhora que me perguntou : "acha que o ar condicionado está desligado?" mas que podia eu dizer, suando copiosamente... era óbvio que sim... só mais tarde percebi a pergunta: a senhora queria conversar. depois de meia dúzia de palavras, já me havia contado parte da sua vida. e eu ouvia. depois falou com mágoa do que a atormenta. dos imigrantes, das "outras raças", da violência, dos assaltos, enfim...

a solidão é o princípio e o fim do mais profundo desespero. "vocês que cá ficam é que vão sofrer", dizia.

saí do comboio e fui para a praia. não me senti sozinho nem sofri. o sol descia lentamente, esplendoroso.

"a melhor coisa que deus criou foi um novo dia" - sigur rós

00:31

quinta-feira, julho 24

ainda "madrid revisited"  

"(...)
é esta a capital mas capital não de um certo país
capital do teu rosto e dos teus olhos a nenhuns outros iguais
ou de um país profundo e próprio como tu
madrid é eu saber pedra por pedra e passo a passo como te perdi
é uma cidade alheia sendo minha
é uma coisa estranha e conhecida
(...)"

ruy belo

20:44

quarta-feira, julho 23

tempo de partir 

tal como o sudexpress, também a avenida precisa de procurar outros recantos. outros suaves momentos que a luz percorre. outros sorrisos. outras vozes.

daqui a pouco mais de uma semana.

20:27

será o inter-rail uma longa avenida? 

inicia-se hoje uma pequena aventura, talvez inédita na blogosfera... durante um mês o sudexpress falará das longas avenidas conhecidas e desconhecidas ao longo de uma imensa cidade chamada inter-rail.

damos assim as boas-vindas a quem nos vem contar de avenidas que não podemos percorrer... como palavras que não podemos escrever...

19:31

excerto de "madrid revisited" 

"(...)
é outra esta cidade esta cidade é hoje a tua ausência
uma imensa ausência onde as casas divergiram em diversas ruas
agora tão diversas que uma tal diversidade faz
desta minha cidade outra cidade
(...)"

00:31

terça-feira, julho 22

poética 

terão as cidades uma poética? e as avenidas?

leiam, se puderem, "madrid revisited" de ruy belo e comentem.

17:27

segunda-feira, julho 21

mil desculpas 

peço desculpa a todos os que foram deixando comentários ao longo destes primeiros dias.
peço desculpa porque fui obrigado a mudar o programa de comentários e acabei por perder o que se tinha escrito.
espero que este programa não me traga os mesmos dissabores.

como custa edificar uma longa avenida...

23:55

fragmento de um amor antigo 

mesmo que eu não me
encontrasse jamais
e jamais soubesse quem
era quem sou
mesmo por tudo isto
eu estaria aqui
contigo
e amar-te-ia até à
morte da tarde

22:00

amália II 

ainda te vi uma última vez. partes na quinta-feira.

porque tinhas os olhos tão tristes?

21:58

presente 

estás aqui
posso-te tocar ver cheirar ouvir
saborear cada segundo
de ti

no fundo não existe
passado nem futuro
apenas um olhar súbito

amor é palavra presente

21:54

brevíssima epístola de uma longa avenida aos seus transeuntes (parafraseando antónio lobo antunes) 

a nossa caminhada não precisava de ser assim. mas tambem não precisava de ser como vocês queriam. nem mesmo como eu queria.
a nossa caminhada talvez não tenha um rumo certo ou lógico, mas será sempre intrinsecamente nossa, como todas as palavras que a percorrem.

esta avenida não está na blogosfera para mostrar qualquer caminho. somos apenas uma avenida onde todos podem passear. na paz de quem escolhe muitos caminhos.

00:28

amor 

que longa avenida a do amor... pássaros pousados em plátanos, luzes ténues, brisas de um verão súbito...

00:15

sábado, julho 19

sigur rós 

para quem tiver alguns minutos maravilhosos a perder fica aqui esta sugestão: o vídeo de uma música de sigur rós ao vivo no festival de glastonbury (basta clicar depois em sigur rós). simplesmente fabuloso.

jónsi termina a música literalmente a espancar as cordas da guitarra com o seu arco.

11:28

dia de verão 

hoje é um daqueles dias em que o verão nos convida a visitá-lo. numa praia, numa esplanada, num passeio ao longo da avenida.

porque demoraste tanto a convidar?

11:23

verdade 

é isto a verdade

chorar quando o dia se
eclipsa
e a noite parece perdurar
muito para além do tempo
em que fecho meus olhos

(anseio pela tua mão
no meu cabelo

pedindo que eu pare
de chorar)

11:19

quinta-feira, julho 17

s. tomé 

ontem fui cortar o cabelo ao mesmo sítio de sempre. a razão desta fidelidade prende-se com o facto de um dia ter experimentado o corte de um s.tomense que aí trabalha.

ontem fui cortar o cabelo e hoje houve um golpe de estado no seu país.

terá hoje o mesmo sorriso e afabilidade com que sempre me recebe dizendo: "jovem, é como da última vez?"

21:26

ao pedro lomba 

aversão aos pés? para quando um blog com o pedro lomba e o pipi a formarem equipa? ou será que o pedro lomba é o pipi?

cristo não é um revolucionário? "ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos" (jo 15:13). que longa avenida esta, não?

nunca gostaste dos sex pistols porque "era a prova mais eloquente de que a democracia tem falhas e não é um regime perfeito". por isso? there's no future...

20:20

férias 

"Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios de vida
e morte resumida agasalhada em asas"

Ruy Belo

19:58

amália 

a amália é uma estudante romena que trabalhou durante um mês no mesmo sítio que eu. de luto pela morte do seu pai, anseia pelo regresso. amália critica uma certa maneira do ser português: aquele conformismo perante o insolúvel. estão a demorar demasiado tempo a resolver a questão do seu pagamento e toda a lentidão é explicada com o eterno encolher de ombros. nas viagens de autocarro que partilhámos, costumava falar do seu país. "hoje há um uso errado da liberdade, tudo parece ser permitido..."
hoje a Amália mostrou-me o seu trabalho final da estadia em portugal. a amália sabe criar longas avenidas, mas irá deixar portugal sem saudades das pessoas que preenchem de angústia estes seus últimos dias. depois, irá viajar num autocarro durante 3 dias até reencontrar a mãe e a irmã.
inspirada em amália rodrigues, a mãe de amália não podia adivinhar que um dia a sua filha visitaria portugal e que iria partir sem saudades desta "estranha forma de vida".

faz boa viagem, amália.

00:41

terça-feira, julho 15

para a senhora que me acusou injustamente de a ter ultrapassado na paragem de autocarro 

"Na praia

Raça de marinheiros que outra coisa vos chamar
senhoras que com tanta dignidade
à hora que o calor mais apertar
coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar"

Ruy Belo

22:31

fernando maurício 

o fado hoje ficou mais pobre. morreu fernando maurício.
que por todas as tascas se cante hoje o seu nome.

22:26

numa paragem de autocarro 

a injustiça é sobretudo uma incapacidade imensa de olhar os outros.

22:23

segunda-feira, julho 14

fala com ela 

como uma longa avenida onde cada porta tem o número da solidão, fala com ela não poderia ser mais belo. revi-o pela terceira vez há pouco, no sempre louvável ciclo a 2 euros do ávila.
cada habitante daquela avenida, cada face da vertigem em que almodóvar nos mergulha, vai lentamente ocupando o seu lugar noutra casa vizinha, numa substituição contínua de vidas alheias.
apenas lídia, a toureira, se afasta pela morte deste jogo brutal, despoletando, como se incarnasse o destino, o rumo destas histórias. almodóvar sabe como somos um pouco destas ilhas. como somos inocentes, loucos, apaixonados. como muitas vezes toureamos ao som de elis e jobim.
a beleza deste filme atinge o seu auge no sonho de marco. caetano eriça-lhe os pêlos. lídia abraça-o. o caminho para o esquecimento de um passado triste apenas passa pelos seus lábios.

alicia, no final, pergunta a marco se ele está bem.
"agora está tudo bem"

viva la tristeza, paloma

23:03

domingo, julho 13

bob marley 

tendo ouvido desde que nasci o fabuloso reggae de bob marley (perdoem o pleonasmo, se considerarem como eu que reggae é marley tout court), só recentemente me decidi a ouvi-lo com a devida atenção. tudo isto porque passei um fim-de-semana fantástico com alguns amigos e amigas, no qual a música deste génio fazia parte do quotidiano dos diferentes dj's que afinal éramos. chegar da praia ao fim do dia e beber uma cerveja ao som da brisa quente da jamaica fez-me pensar: "mas afinal onde andei este tempo todo?". no fundo, é a sensação que nos ocorre a todos quando olhamos realmente para as coisas que afinal apenas víamos.

"don't worry about a thing
cause every little thing is gonna be alright"

18:27

sábado, julho 12

mediterrâneo 

não sei explicar porque gosto tanto do cante alentejano. não sei explicar porque me comovo com as suas palavras arrastadas, como um longo choro que derrama lágrimas na terra.
mas as casas brancas, as brisas, os sorrisos, os sabores ao som do cante são o mediterrâneo, na sua matriz civilizacional mais pura, não delineada a partir de uma essência absoluta, primordial, mas dos múltiplos cruzamentos operados nesse cadinho que foi e é o mare clausum romano.
e mesmo eu não sabendo explicar porque o sinto, fecho os olhos e esses ambientes longínquos fazem parte de mim.
hoje no comboio, baixei o som do rádio para escutar uma mulher de leste que pedia cantando.
ouvindo aquele choro que se arrasta, suspendendo o tempo no limite da voz, percebi como fazíamos afinal parte do mesmo mundo.

porque vivemos tão longe uns dos outros, se vivemos no mesmo mundo?

20:04
seremos capazes de percorrer longas avenidas?

01:26

Ao longo da avenida 

seremos capazes de criar uma longa avenida?

00:56
Será a blogosfera uma longa avenida?

00:29
ao longo da avenida. o primeiro dia de um blog incerto como esses dias que agora começam a passar.

00:09